A EDUCAÇÃO DO FUTURO E O FUTURO DA EDUCAÇÃO
Há novos requerimentos educacionais no radar. Vivemos a era da informação abundante. A educação vem envolvendo, cada vez mais, um aprendizado por conta própria, solitário e autônomo. A formação contínua ganha relevância crescente. Os métodos de ensino que ainda prevalecem são os mesmos da idade média. Mas hoje há mil formas de aprendizado, mil formas de informações que podem ajudar a explicar a mesma coisa. Qual deve ser o papel do professor neste contexto novo? Além disso, estamos diante de uma profunda transformação no mundo do trabalho que não pode ser desprezada com a revolução digital e cognitiva. Ainda que a educação não deva se voltar apenas para a inserção profissional das pessoas mas também para um profícuo convívio humano, torna-se fundamental lembrar que é essencialmente no trabalho onde as pessoas se socializam. Devido à plataformização das atividades econômicas mundo, prevê-se que em 2050 não haverá mais nenhum emprego que não seja complementar à inteligência artificial. Quais os desafios dos modelos educacionais diante dessa nova realidade complexa?
Claudia Costin inicia observando que no mundo há um crescimento das desigualdades sociais, uma intensificação da injustiça social que, entre outras coisas, influencia diretamente as políticas de segurança pública. Aquilo é exacerbado nos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os fenômenos de automação, robotização, desenvolvimento de IA (inteligência artificial) e destruição de postos de trabalho se intensificam.
Pergunta então, quais desafios para a educação essas transformações implicam? Existem soluções mágicas para a educação nesse cenário desafiador?
O Banco Mundial aponta que cada vez mais crianças estão escolarizadas no mundo, que há uma diminuição do déficit de gênero. Porém existe um descompasso crescente entre o aprendizado clássico e o mundo contemporâneo.
Duas perspectivas precisam ser trabalhadas para reduzir este problema nas escolas :
* Ensinar a resolução colaborativa de problemas através de uma visão sistêmica
* Incentivar e valorizar a criatividade, a curiosidade, a imaginação – como na época da Renascença.
Estamos diante de um enorme desafio cultural: mudar o papel do professor.
Segundo Marcelo Tas, estamos “no fim da picada”. Mas também “no início de uma nova picada”: muita gente perdeu o primeiro trem que saiu em alta velocidade. Mas temos sinais claros que nos indicam que devemos olhar para a Renascença e aprender com os valores e os percalços daquela época, que nos deu um primeiro exemplo de viralização. Fenômenos como a descoberta da indexação e a revolução da mídia impressa levaram – como hoje – a uma intensificação das trocas de conhecimento entre pessoas de diferentes locais.
Da mesma maneira, hoje há uma abundância de publicações, porém, que não envolve conhecimento em si: trata-se mais de “asseguradores” de informação que fizeram uma curadoria da mesma.
O que está acontecendo nos assusta, nos paralisa e nos faz perder oportunidades. Empresas importantes que não avançaram frente a essa nova realidade e se recusaram a se atualizar, hoje estão saindo do cenário. Universidades perderam tempo ao não querer enxergar essas mudanças, talvez por arrogância. A TV também não se atualizou.
Hoje em dia, a exposição impõe a transparência, portanto a transparência não é opcional: grandes quantidades de informação conseguiram corroer pessoas e instituições que não são transparentes.
Consequentemente, a comunicação tem um papel central nas transformações em curso e nos desafios da educação do amanhã. Não se pode mais atuar sem trabalhar com a comunicação.
Fernando Almeida levanta uma questão fundamental: o que nossos filhos e netos precisam para serem felizes com a aprendizagem?
Se a curiosidade e a imaginação são a essência do ato de aprender, a memória ainda é anterior. E essa memória não pode se perder no futuro da educação. Portanto, como pode ser provocativa e promover mudanças? Mergulhar num caldo de informações não adianta: é preciso ter memórias efetivas através da indexação. E essa indexação não é dada pela capacidade de indexar em si mas sim pelo significado que cada um quer dar à sua própria busca (aonde quero chegar com aquele dado, com aquela informação). Trata-se então de uma indexação de significados.
Mas o que é a memória do novo mundo em que vivemos? O que é preciso para que eu continue sendo eu?
“Conhece-te a ti mesmo” dizia Sócrates… a escola deve voltar a este ensinamento, deve oferecer um espaço em que eu possa me conhecer e encontrar com os outros. Essa posição se opõe a uma certa visão heróica da aprendizagem, do estudo.
Essa reflexão envolve outras problemáticas: o que precisamos fazer para a Escola pública republicana seja uma coisa pública de fato?
Caio Callegari nota uma existência insuficiente de grupos de estudos voltados para a discussão sobre o futuro da educação. Existem apenas espaços para discutir o presente.
Vivemos no mundo de hoje o momento frenético da aprendizagem contínua. A educação é como um leme dessa jornada. Mas precisamos ter algum controle sobre a direção dessa jornada. Há de fato uma mudança de paradigma : passamos da era industrial em que procurava-se saber “o que” a uma era em que demanda-se conhecer “o como”. A educação da era anterior seguia um caminho único. A educação do futuro precisa dar resposta aos saltos de mudanças de paradigma.
É pela educação que conseguiremos definir o rumo da nossa jornada? Precisamos definir horizonte e valores, pois existe um risco importante de ver nosso sistema político e educacional atuais nos levarem a uma exacerbação do populismo. Aquilo envolve pensar a educação como uma ferramenta para nos tornar cada vez mais humanos, para lidar com os desafios de hoje – como a inteligência artificial – com mais humanidade.
E para construir uma educação profundamente humana, precisamos construir a figura do professor como a mais humana das profissões. Pois a Escola é o território dos afetos, dos aprendizados pelos afetos.
Octavio de Barros ressalta a perda de importância do diploma, a generalização do fenômeno de “recrutamento às cegas” em determinadas empresas que estão de olho no sentido de propósito de quem pleiteia um emprego. É bem verdade que a sociedade valoriza os diplomas mas as empresas, por vezes, não valorizam como antes valorizavam e até desconfiam um pouco daqueles novos profissionais que ficaram muito tempo fora da rede profissional. É muito frequente ver uma massa importante de diplomados afastados do emprego.
Claudia Costin se refere então a Jacques Delors, político europeu de nacionalidade francesa – que foi o autor e organizador do relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI – para formular outra pergunta: como deveria ser a educação dos jovens europeus?
Segundo ela, a prioridade da educação é ensinar a aprender a ser (quem eu sou, qual é minha história, quais são minhas identidades?) e a viver junto, em paz com os outros povos, outros gêneros, outras etnias etc. Mas não deve se esquecer a necessidade de se capacitar para o mercado de trabalho – condição de uma vida independente e plena. Aquilo requer uma capacidade de aprender a aprender, para ser capaz de se tornar o empreendedor da sua própria vida (o constante aprender), o que não se adquire exclusivamente na escola.
A capacidade de adaptação constante que é requerida no mundo de hoje implica o reskilling (recapacitação), que requer à sua vez um ecossistema educacional muito mais amplo, o desenvolvimento de escritórios de aconselhamento de competências, implementação de processos de formação mais flexíveis etc.
Se o/a professor(a) é visto/a como um “assegurador” de aprendizado, a prioridade é o ser humano. Só assim poderá promover a humanidade (como pode incentivar o aluno a desenvolver a persistência se o/a próprio/a professor(a) desiste de alunos por classificá-los como incapazes e outros como brilhantes?)
Segundo Marcelo Tas, se na geração analógica o professor tinha a tarefa de trazer todo o conteúdo para a sala (copy and paste), na geração digital as coisas são diferentes: chegou a hora do professor assumir a sua essência provocadora, inspiradora, curadora, seu papel de referência. Portanto deve eleger o que é relevante, e olhar os desafios do amanhã com serenidade (é importante não temermos tanto a IA como uma coisa que chegou de outro planeta, pois afinal, a criamos nós-mesmo). Afinal, se o machine learning é poderoso e reduz os erros de forma exponencial, é porque as máquinas atuam de forma colaborativa…
Resumindo : se você não quiser ser substituído por um robô, não trabalhe como um robô.
Octavio de Barros chama a atenção para um fenômeno que tem sido destacado em muitos debates em todo mundo que é emblemático desse mundo novo do aprendizado: o declínio do texto e a primazia do áudio e do vídeo.
Segundo Fernando Almeida, o algoritmo é o elemento mais pobre do pensamento matemático pois ao procurar simplificar uma solução, não ensina a pensar.
A palavra francesa “connaître” (conhecer) parece significar “co-naître”, nascer junto, como se o conhecimento fosse o ato de apreciação de um objeto que da a vida. Neste sentido, quando um professor discute junto com um aluno, ele faz o conhecimento aparecer através da discussão. Assim, o novo conhecimento para o aluno será diferente do que era para o professor, e o novo professor será muito mais importante do que era, terá um papel de curador mas não de facilitador, o que requer uma certa exigência.
A Escola do amanhã precisará trabalhar com a noção de afeto, de conhecimento sócio-afetivo (o que me toca, me emociona no conhecimento)
Sobre isso, Caio Callegari ressalta que o conhecimento se constrói cada vez mais de maneira coletiva quando, ao mesmo tempo, a curiosidade individual nos faz aprender com mais profundidade. Diante das tendências ao isolamento, à exclusão e à intensificação das desigualdade, existe um desafio importante para o futuro : garantir as oportunidades de aprendizado para todos.
Resumo parcial:
O papel do professor possivelmente não será mais apenas o de transmitir conhecimento, mas de traçar a melhor via, conceber o percurso do aprendizado e encaminhar o estudante no caminho adequado. A necessidade de transmitir informações não é mais tão prioritário hoje na atividade dos professores. Eles precisam sim, acompanhar o estudante no seu aprendizado, encorajando-o e ajudando-o a desbloquear qualquer dificuldade que encontre. Fundamental o papel de motivar, de dar vontade de aprender, de transmitir paixão pelo conhecimento. O professor do futuro passará cada vez menos tempo a falar de cátedra do que construindo percursos, observando os estudantes, escutando-os, e acompanhando-os de uma forma a mais personalizada possível.




